segunda-feira, 11 de março de 2013

Criaturas como nós? ( Portal Ciência e Vida)







      Não é a primeira vez que abordo, nesta coluna, o problema da consciência animal. Provavelmente não será, tampouco, a última.
      O que me motiva, desta vez, é uma matéria publicada há alguns meses em uma revista nacional de grande circulação. Nela, o neurocientista Philip Low anuncia ter feito uma descoberta estrondosa: a de que os animais, especialmente os mamíferos, têm consciência, e que, por isso, nossa atitude em relação a eles precisa mudar. Phillip Low, neurocientista da Universidade de Stanford e do MIT, assina um manifesto, juntamente com o físico Stephen Hawking, no qual exorta a comunidade científica a assumir suas responsabilidades bioéticas em relação aos animais.
      Afirmar que alguns mamíferos têm consciência não é novidade. Estudos sobre cognição animal, realizados por grandes especialistas nessa área, como os de Donald Griffin, na década de 1970, e os de Stephen Walker, na de 1980, já concluíam que a diferença entre as habilidades cognitivas conscientes humanas e as de alguns animais é apenas de grau. Não existe uma diferença qualitativa que nos torne radicalmente diferentes deles, sobretudo no caso dos mamíferos. A descoberta de Low, de que a consciência não depende inteiramente do córtex, e que se inicia em partes mais profundas e primitivas do cérebro, como, no tronco cerebral, também não é novidade em Neurociência.
      Muitas de nossas concepções e atitudes preconcebidas em relação aos animais se originaram de nossas tradições religiosas e filosóficas. Descartes é, frequentemente, apontado como o filósofo que negou que os animais tivessem consciência. Sem consciência, não há dor nem sofrimento e, por isso, não precisamos nos sentir moralmente culpados se nos alimentamos deles ou se os submetemos a experiências de laboratório. Mas não foi só o pensamento cartesiano que influenciou esse tipo de preconceito.
Rousseau é, também, um grande vilão nessa história. O homem do qual ele nos fala não é uma criatura inserida na natureza, mas, ao contrário, totalmente diversa da ordem natural. Ele é o homem da Declaração Universal dos Direitos Humanos, um ser humano que, por ser livre, se define como essencialmente social e político. Ou seja, a civilização e a Cultura são fatores decisivos para nos definir como seres humanos. Uma prova disso é que, de acordo com Rousseau, todos nascemos bons, e se não continuamos na trilha do bem é porque a sociedade nos corrompe e nos leva para o mau caminho. A metáfora do bom selvagem acaba nos excluindo radicalmente da natureza. A ascendência animal do ser humano pouco importa. Por não serem livres, os animais são criaturas sem história, e o fato de não serem sujeitos morais nem políticos faz com que, muito provavelmente, eles não tenham nada que se assemelhe à consciência humana. Animais não merecem nenhuma preocupação em especial, e, assim, podemos criá-los para depois utilizá-los como quisermos, sobretudo como alimento.
João de Fernandes Teixeira é PH.D. Pela University of Essex (Inglaterra) e se Pós Doutorou com Daniel Dennett nos Estados Unidos. É professor titular na Universidade Federal de São Carlos.www.filosofiadamente.org
     Darwin está na contramão de Descartes e de Rousseau. De acordo com o darwinismo, há uma continuidade entre as espécies. Estamos próximos dos animais porque somos um prolongamento da árvore da vida. Se os animais se entredevoram, isso se deve a um princípio fundamental da teoria da seleção natural: a luta pela vida. Não há animais intrinsecamente bons nem maus e isso se aplica também ao ser humano. No entanto, por nos reintegrar parcialmente à natureza, é mais razoável para os darwinistas conceber a existência de uma consciência nos mamíferos e, em nome dela, reivindicar para essas criaturas alguns direitos. Isso pode soar paradoxal, mas explica por que movimentos em favor dos direitos animais predominam, atualmente, em países de língua inglesa, nos quais há uma presença marcante do darwinismo, nem que seja para combatê-lo, como ocorre, aliás, em alguns lugares dos Estados Unidos.
      As antropologias filosóficas francesa e darwinista são conflitantes. Mas, certamente, reconhecemos algo mais do que esse conflito ao lermos as declarações de Low. O problema está nos dilemas bioéticos que esse debate suscita. O uso de animais em experimentos científicos é uma questão que desafia a Bioética tradicional, baseada no informe consentido.
Até que ponto criaturas conscientes ou semiconscientes podem ser usadas nesses experimentos?
      As universidades se transformaram em verdadeiras linhas de montagem de novos artigos científicos. Muitas vezes um mesmo artigo precisa ser publicado várias vezes para engrossar as estatísticas anuais. Para que isso ocorra é preciso duplicar experimentos, na maioria das vezes, mudando apenas alguma de suas variáveis. Com isso, se garante uma originalidade, pelo menos técnica, à enxurrada de publicações, sem a qual a investigação científica sucumbiria por falta de verbas. Infelizmente, essa triste ciranda é feita à custa do sacrifício inútil da vida de muitos animais. Ora, estará a prática da Ciência em contradição com o que o próprio conhecimento científico sobre cognição animal revela?
      Não somos intrinsecamente bons, como supôs Rousseau. Temos de lutar pela vida como, aliás, todos os animais, o que justifica, em alguns casos, o sacrifício de vidas animais na realização de experimentos cruciais. São casos de legítima defesa da espécie humana; algo bem diferente do que ocorre nos biotérios, nos quais, infelizmente, ainda há um desperdício fútil de vidas animais.

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