sexta-feira, 15 de março de 2013

Existencialismo em Sartre

 


                                                       O homem se constrói

            No Existencialismo o homem é o que ele se faz, é construtor de si mesmo, ele não nasce pronto, o que acarreta, como implicação ética, a responsabilidade do homem para com a construção do seu ser e o ser dos outros. O sujeito individual, enquanto agente de seu próprio destino, envolve a si e aos outros nas escolhas que efetua. É, portanto, responsável pela sua individualidade e por todos os homens. ao criar-se como quer ser, cria também uma imagem do homem como deveria ser. Há um compromisso do homem diante das escolhas que constroem a sua existência e, nesse sentido ele se torna um legislador para toda a humanidade. Sempre o homem deve se perguntar sobre o seu direito de agir de uma determinada forma, já que toda a humanidade pode observar sua ação e tomá-la como regra. Nesse sentido, perante a humanidade, o indivíduo vê-se coagido a realizar ações exemplares e a reconhecer a liberdade alheia como portadora das mesmas prerrogativas que atribui a si mesmo.
             O que se diria, adotando essa postura, sobre o atual cenário da política brasileira?

Isaias Kniss Sczuk é professor de Filosofia no Colégio Sinodal Doutor Blumenau e na Escola de Educação Básica Estadual José Bonifácio, ambas em Pomerode, Santa Catarina. Possui graduação em Filosofia e especialização em Metodologia do Ensino de Filosofia e Sociologia.





segunda-feira, 11 de março de 2013

Criaturas como nós? ( Portal Ciência e Vida)







      Não é a primeira vez que abordo, nesta coluna, o problema da consciência animal. Provavelmente não será, tampouco, a última.
      O que me motiva, desta vez, é uma matéria publicada há alguns meses em uma revista nacional de grande circulação. Nela, o neurocientista Philip Low anuncia ter feito uma descoberta estrondosa: a de que os animais, especialmente os mamíferos, têm consciência, e que, por isso, nossa atitude em relação a eles precisa mudar. Phillip Low, neurocientista da Universidade de Stanford e do MIT, assina um manifesto, juntamente com o físico Stephen Hawking, no qual exorta a comunidade científica a assumir suas responsabilidades bioéticas em relação aos animais.
      Afirmar que alguns mamíferos têm consciência não é novidade. Estudos sobre cognição animal, realizados por grandes especialistas nessa área, como os de Donald Griffin, na década de 1970, e os de Stephen Walker, na de 1980, já concluíam que a diferença entre as habilidades cognitivas conscientes humanas e as de alguns animais é apenas de grau. Não existe uma diferença qualitativa que nos torne radicalmente diferentes deles, sobretudo no caso dos mamíferos. A descoberta de Low, de que a consciência não depende inteiramente do córtex, e que se inicia em partes mais profundas e primitivas do cérebro, como, no tronco cerebral, também não é novidade em Neurociência.
      Muitas de nossas concepções e atitudes preconcebidas em relação aos animais se originaram de nossas tradições religiosas e filosóficas. Descartes é, frequentemente, apontado como o filósofo que negou que os animais tivessem consciência. Sem consciência, não há dor nem sofrimento e, por isso, não precisamos nos sentir moralmente culpados se nos alimentamos deles ou se os submetemos a experiências de laboratório. Mas não foi só o pensamento cartesiano que influenciou esse tipo de preconceito.
Rousseau é, também, um grande vilão nessa história. O homem do qual ele nos fala não é uma criatura inserida na natureza, mas, ao contrário, totalmente diversa da ordem natural. Ele é o homem da Declaração Universal dos Direitos Humanos, um ser humano que, por ser livre, se define como essencialmente social e político. Ou seja, a civilização e a Cultura são fatores decisivos para nos definir como seres humanos. Uma prova disso é que, de acordo com Rousseau, todos nascemos bons, e se não continuamos na trilha do bem é porque a sociedade nos corrompe e nos leva para o mau caminho. A metáfora do bom selvagem acaba nos excluindo radicalmente da natureza. A ascendência animal do ser humano pouco importa. Por não serem livres, os animais são criaturas sem história, e o fato de não serem sujeitos morais nem políticos faz com que, muito provavelmente, eles não tenham nada que se assemelhe à consciência humana. Animais não merecem nenhuma preocupação em especial, e, assim, podemos criá-los para depois utilizá-los como quisermos, sobretudo como alimento.
João de Fernandes Teixeira é PH.D. Pela University of Essex (Inglaterra) e se Pós Doutorou com Daniel Dennett nos Estados Unidos. É professor titular na Universidade Federal de São Carlos.www.filosofiadamente.org
     Darwin está na contramão de Descartes e de Rousseau. De acordo com o darwinismo, há uma continuidade entre as espécies. Estamos próximos dos animais porque somos um prolongamento da árvore da vida. Se os animais se entredevoram, isso se deve a um princípio fundamental da teoria da seleção natural: a luta pela vida. Não há animais intrinsecamente bons nem maus e isso se aplica também ao ser humano. No entanto, por nos reintegrar parcialmente à natureza, é mais razoável para os darwinistas conceber a existência de uma consciência nos mamíferos e, em nome dela, reivindicar para essas criaturas alguns direitos. Isso pode soar paradoxal, mas explica por que movimentos em favor dos direitos animais predominam, atualmente, em países de língua inglesa, nos quais há uma presença marcante do darwinismo, nem que seja para combatê-lo, como ocorre, aliás, em alguns lugares dos Estados Unidos.
      As antropologias filosóficas francesa e darwinista são conflitantes. Mas, certamente, reconhecemos algo mais do que esse conflito ao lermos as declarações de Low. O problema está nos dilemas bioéticos que esse debate suscita. O uso de animais em experimentos científicos é uma questão que desafia a Bioética tradicional, baseada no informe consentido.
Até que ponto criaturas conscientes ou semiconscientes podem ser usadas nesses experimentos?
      As universidades se transformaram em verdadeiras linhas de montagem de novos artigos científicos. Muitas vezes um mesmo artigo precisa ser publicado várias vezes para engrossar as estatísticas anuais. Para que isso ocorra é preciso duplicar experimentos, na maioria das vezes, mudando apenas alguma de suas variáveis. Com isso, se garante uma originalidade, pelo menos técnica, à enxurrada de publicações, sem a qual a investigação científica sucumbiria por falta de verbas. Infelizmente, essa triste ciranda é feita à custa do sacrifício inútil da vida de muitos animais. Ora, estará a prática da Ciência em contradição com o que o próprio conhecimento científico sobre cognição animal revela?
      Não somos intrinsecamente bons, como supôs Rousseau. Temos de lutar pela vida como, aliás, todos os animais, o que justifica, em alguns casos, o sacrifício de vidas animais na realização de experimentos cruciais. São casos de legítima defesa da espécie humana; algo bem diferente do que ocorre nos biotérios, nos quais, infelizmente, ainda há um desperdício fútil de vidas animais.

sexta-feira, 8 de março de 2013


FELIZ DIA DA MULHER!!



Leitura
As Mulheres na Filosofia
O presente livro resulta de um trabalho de investigação que se desenvolve há alguns anos no Centro de Filosofia da Universidade de Lisboa. Com ele se pretende tornar visível a presença das mulheres, afastando definitivamente como capciosa a pergunta muitas vezes repetida: "Por que não há mulheres filósofas?".

A entrada das mulheres na filosofia do séc. XX
Momentos antes de morrer, Sócrates despede-se dos amigos, dos filhos e da família. O relato tocante que Platão nos deixa no Fédon é por demais conhecido. No entanto, há nele uma breve referência que passa despercebida à maior parte dos leitores: a ordem dada pelo filósofo para que as mulheres se retirem. Ausentes em todo o diálogo preparatório da morte, são mandadas sair quando esta vai concretamente ocorrer, como se apenas os discípulos, homens todos eles, pudessem assistir ao suicídio forçado do filósofo, do mesmo modo que só eles acompanharam as suas diatribes oratórias na cidade.
Este abandono (imposto) das mulheres no que respeita à filosofia, retrata bem o estatuto que as mesmas ocuparam no pensamento ocidental - a ausência. Uma ausência não deliberada mas compulsiva, não expressa mas sub-repticiamente justificada por razões outras que não as filosóficas.
A saída das mulheres, ordenada por Sócrates, é aceite pelos discípulos deste como algo de natural. Há um silêncio conivente dos filósofos, para os quais a condição feminina se circunscreve ao espaço privado, enquanto a filosofia é um acontecimento público, mesmo quando se desenrola num quarto e diz respeito ao ato íntimo de morrer. Um silêncio que se mantém ao longo de séculos. Intercalada por algumas intervenções femininas, a voz dominante da filosofia é masculina. O que é problemático para as suas atuais cultoras. De facto, como dizer às mulheres que hoje se interessam por filosofia - estudiosas, professoras, investigadoras, estudantes - que não existem, enquanto mulheres, na mente dos filósofos? Como fazê-las aceitar a universalidade do conceito do homem, pelo qual são designadas? Como convencê-las de que tudo o que as identifica enquanto diferentes, é desinteressante para a filosofia? E que reação esperar por parte de quem permanentemente se defronta com o silenciamento, a anulação ou a secundarização de temáticas que considera relevantes?
Com algumas excepções, os filósofos têm olhado as mulheres de um modo negativo, ou, quanto muito, condescendente. A tese platônica difundida no Timeu, segundo a qual a mulher representa uma forma inferior de humanidade (Timeu, 41 d - 42 d.), perdura até Freud, que, retomando Aristóteles, entende a mulher como um homem castrado.
Com o século XX esta situação altera-se, e podemos dizer que a partir dos anos sessenta ocorre uma mutação nas relações entre a filosofia e as mulheres. Os movimentos feministas que então ganham força, sobretudo nos EUA e países de língua inglesa, levam ao incremento dos Womens Studies ou Gender Studies, incluindo-os de pleno direito nos currículos universitários e nos projetos de investigação. A filosofia, essa "disciplina recalcitrante" que dificilmente se abre à inovação, sofre no nosso século o impacto deste "boom". Uma das mudanças manifesta-se em novas maneiras de apreciar o pensamento dos filósofos, mediante chaves de leitura que permitem uma visão diferente das suas teses, nomeadamente no que respeita à consistência interna das mesmas. Como diz Nancy Tuana, não basta interpretar certos sistemas procurando neles a parte (geralmente mínima) que consagram às mulheres. É preciso articular o que é dito sobre esta temática com a totalidade de um pensamento, de modo a que o resultado global do mesmo seja congruente. O que nem sempre acontece.
Uma outra linha de investigação, ainda ligada à história da filosofia, pretende restituir a voz a filósofas do passado, dando-lhes visibilidade e mostrando o impacto que tiveram. Habitualmente catalogadas como discípulas deste ou daquele nome sonante, começa-se a reconhecer nelas um pensamento autónomo, expresso através dos meios em que lhes era possível divulgá-lo, quer se trate de ensaios, de tratados, ou simplesmente de cartas.
Um outro campo que tem dado frutos releva temáticas tipicamente femininas, habitualmente não trabalhadas pelos pensadores tradicionais e agora redescobertas nas potencialidades filosóficas que encerram. Nele se inclui uma abundante literatura consagrada a questões como o nascimento, a relação maternal, o cuidado com os outros, o modo feminino de fazer ética, epistemologia, ontologia, lógica.

Haverá uma filosofia feminina?
É possível apontar no século XX alguns núcleos de filosofemas sobre os quais as mulheres se têm particularmente debruçado. É o caso da ontologia na qual a temática do feminismo radica, pelo relevo dado ao conceito de natureza humana. Quer consideremos a homogeneidade desta, quer a entendamos de um modo bipolar em função do sexo ou do gênero, quer a neguemos ou a fragmentemos, a natureza humana é sempre um marco incontornável, a partir do qual se levantam outras questões. E é na abordagem da natureza feminina que surgem dois problemas clássicos que nenhuma das orientações feministas ignora: o da igualdade e da diferença e o da relação sexo/gênero.
Também no domínio da lógica verificamos como são importantes para o pensamento feminista os temas da razão e da racionalidade bem como o da argumentação. No que respeita à ética, há toda uma controvérsia relativa à universalidade dos valores morais e à possível existência de uma moral feminina com os seus parâmetros próprios, colocando a tônica na contextualização e no envolvimento e desprezando a abstração e a generalização. No que concerne à antropologia temos questões relativas à identidade individual, ao sujeito humano e a uma possível diferenciação do pensamento feminino. Também a epistemologia tem sido um terreno profícuo nos debates feministas, nomeadamente no que concerne ao papel do gênero na captação do real, à legitimidade de um método científico universal e ao peso da masculinidade na construção científica. Por fim, relativamente à ecologia e à filosofia da natureza há correntes feministas com visões muito próprias, nomeadamente na aproximação feita entre as mulheres e a natureza, englobando-as numa mesma opressão que sobre elas tem pesado ao longo dos tempos.

O século das Mulheres?
Este é o título dado por Victoria Camps a um dos seus últimos livros. Nele constata que para a mulher de hoje, emancipada e detentora de direitos, já não se põe o problema da igualdade pois esta é-lhe atribuída como natural. Mas é grande a distância que vai da aceitação teórica e formal à concretização no quotidiano. É um caminho que exige uma mutação nas regras de convivência e na política, postulando uma outra gramática do poder.
É para a "feminização da sociedade" que a obra de V. C. nos alerta, numa proposta inegavelmente filosófica. Subscrevemo-la, lembrando que a filosofia teve, tem e terá um papel determinante em todas as mutações culturais pois o carácter teórico e especulativo que lhe pertence não a isenta de uma dimensão prática que a leva a enraizar-se na ação.
Muitos temas novos surgiram no panorama filosófico do séc. XX, desmentindo os defensores de uma filosofia perene, para os quais tudo de importante já foi pensado e dito. Alguns dos novos filosofemas inscrevem-se num paradigma que muito deve a contributos femininos - o cuidado. Circunscritas durante séculos à privacidade de um espaço doméstico, as mulheres nele aprenderam determinados valores que hoje pretendem transpor para o domínio público, reivindicando para si, e para todos, uma maneira diferente de estar no mundo.
A transformação das virtudes privadas em valores públicos é uma tarefa que se iniciou no nosso século, pela mão das mulheres. E se der os frutos que promete, será então lícito afirmar que o séc. XX é, verdadeiramente, o século das mulheres.

Maria Luísa RIbeiro Ferreira
In As Mulheres na Filosofia, ed. Colibri
22.02.10